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DIA DA REFORMA - Lembrança de uma vocação cristã

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Gottfried Brakemeier

 

Estimadas Senhoras e Senhores, irmãos e irmãs!

 

Salvo raras exceções, o "Dia da Reforma" não goza do privilégio de um feriado em nosso País. Afinal, ele serve para quê? Para homenagear os protestantes? Para trazer à memória as dolorosas divisões da Igreja, ocorridas no século XVI? Existem sensibilidades, até mesmo embaraços com relação à comemoração do dia em que no remoto ano de 1517 Matim Lutero afixou suas afamadas 95 teses à porta da Igreja do Castelo em Wittenberg. É verdade que foi alto o preço a pagar pela Reforma, infelizmente. E no entanto, se a atenção se prender ao prejuízo tão-somente, ainda não se percebeu a real importância do movimento desencadeado por Lutero e os demais reformadores. Depois daquele 31 de outubro o mundo já não mais seria o mesmo como antes.

 

Apesar dos questionamentos, pois, a comunidade evangélica tem boas razões para não deixar passar em brancas nuvens esta data. Apregoa ser a Reforma evento memorável para toda cristandade e convida as Igrejas irmãs para a comemoração conjunta. Não nega a ambiguidade da mesma. O retrospecto histórico faz ver, a um só tempo, a fidelidade de Deus e o pecado humano, o ganho e a perda, avanços e fracassos. Justamente assim, porém, o dia possui relevância ecumênica. Lembra um marco decisivo na trajetória do povo de Deus, bem como uma vocação comum, altamente relevante no século XXI. É o que tentarei mostrar em poucas e breves reflexões.

 

1. Temo que, em boa medida, os aspectos incômodos, característicos do dia 31 de outubro, sejam decorrentes do próprio termo "Reforma". Desde que "Reforma" ultrapasse o simples conserto formal e persiga a meta de real renovação, costuma sofrer resistências. Foi o que aconteceu no século XVI. Lutero queria mais do que colocar remendo em roupa velha. Sintonizou, desse modo, com um profundo anseio popular da época, insistindo em substancial reforma de Igreja e sociedade "da cabeça até aos pés". Reforma, isto era sinônimo de "conversão", de mudança e de correção de percurso. Tratava-se de projeto necessário, inadiável, urgente.

 

 

Ainda hoje ou novamente o é. Necessitamos de reforma nas Igrejas. Aliás, Igreja luterana sabe ser reforma jamais algo definitivo. É como a higiene do corpo. Deve ser permanente. Ademais, reforma se exige como resposta a novos desafios e como adequação a novas circunstâncias. Quem não muda em meio às transformações da história, torna-se obsoleto, disfuncional. Não posso aprofundar o assunto. De qualquer maneira, o dia da reforma lembra à cristandade um compromisso inalienável, hoje não menos atual como antigamente. Igreja que resiste à reforma, estagna e coloca em risco sua qualidade evangélica. Eis, porque o dia da Reforma é dia ecumênico.

 

Arrisco dar mais outro passo. Afirmo "reforma" como premente necessidade global. Não foram apenas os acontecimentos no dia 11 de setembro último que disso lembraram. Há outros fenômenos angustiantes, exigindo uma radical mudança de rumo. Sem incisivas reformas na economia, na política, na mentalidade da era dita pós-moderna está ameaçado o futuro da humanidade. Estamos em situação pior do que no século XVI. Pois as ameaças são incomparavelmente mais graves. "Dia da Reforma", isto significa "Dia da Penitência". Sem a disposição para rever atitudes, procedimentos e leis não haverá saída dos impasses. O dia 31 de outubro exige deste nosso mundo nada menos do que a radical reavaliação dos valores e das estruturas que regem o convívio das pessoas e que conduziram a uma situação de quase pânico geral. Clamamos por paz, clamamos por mudança. Como alcançar o objetivo?

 

2. Também neste tocante a comemoração da Reforma do século XVI oferece ajuda. Lutero, o que queria? Ora, quis no fundo apenas isto: que os direitos de Deus voltassem a ser respeitados. Ele se opôs à usurpação de autoridade divina em Igreja e sociedade de seu tempo.
Paradoxalmente, o ser humano se desumaniza quando cultua seus próprios interesses e despreza os interesses divinos. Colidem então as ambições subjetivas, corporativistas, nacionalistas, mergulhando a sociedade em perigosos conflitos. Diz a Bíblia ser o temor a Deus o início da sabedoria. Quando o ser humano abole a fé em Deus ou a substitui pela fé em ídolos, transforma-se naquela besta de que fala o capítulo 13 do livro de Apocalipse, simbolizando tirania e perversão.

 

É tradição profética insistir no direito divino como norma do humano. Sob esta perspectiva, a Reforma do século XVI tem tido nitidamente natureza profética. Temer a Deus, amá-lo e confiar nele acima de todas as coisas, isto é simplesmente vital para o ser humano. Sem o respeito ao primeiro mandamento, a sociedade se inviabiliza. Perde os parâmetros e afunda em idolatria e confusão. Nem tudo é relativo, permitido, conveniente. O mundo de hoje se ressente da falta de critérios básicos comuns, capazes de garantir a sociedade sustentável, de assegurar a paz e de superar a tão falada crise de ética e mesmo de sentido. O "Dia da Reforma" coloca em pauta não só a necessidade da penitência. Com a mesma insistência reintroduz o tema "Deus" na luta dos interesses humanos, sejam eles individuais, grupais, institucionais e mesmo culturais. A fé em Deus não é nenhum supérfluo na vida humana. Ninguém o enfatizou como Lutero.

 

3. Mas dizer somente isto não basta. Pois justamente em nome de Deus tem sido e continuam sendo cometidos bárbaros crimes. Guerra é sempre um horror. Mas chega a seu ápice, quando assume as características de guerra santa. A Reforma bem o sabia. Combateu, por isto, o abuso do nome de Deus com o mesmo vigor com que insistia nos direitos de Deus. Viu a necessidade da prestação de contas da imagem do Deus a que o seu humano devota seu culto. Pois poderá ser um ídolo demoníaco, devorando qualidade de vida e acobertando a violência e a injustiça. A Reforma do século XVI pretendia ser evangélica, orientada no Deus que não escraviza, antes liberta dos múltiplos cativeiros humanos. Para Lutero e seus amigos Reforma não significava uma nova lei. Pelo contrário, consistia na redescoberta do amor de Deus que acolhe o perdido, o desesperado, o culpado, que justifica por graça e por fé.

 

O Deus do evangelho é o Deus que não se vingou nos seus inimigos, quando tramaram atentado contra seu filho. À crucificação de Jesus Cristo, Deus responde não com demonstração de força, de raiva e de retaliação, e, sim com o seu perdão. Por isto mesmo a lei máxima deste Deus é a do amor, loucura aos olhos do mundo, e não obstante a máxima sabedoria. Justiça humana evidentemente não pode abrir mão da penalização do crime. Impunidade é chaga no corpo social. Não se confunda justiça com vingança. Esta é o que se proíbe. Vai tão somente acelerar a espiral da violência e, à dessemelhança da justiça, é incapaz do perdão. Permanece verdade que perdoar é mais sábio do que vingar-se, distribuir mais sábio do que acumular, integrar mais sábio do que excluir. O Deus da Bíblia é o Deus da sabedoria. Nem sempre a cristandade tem sido fiel a este Deus. Assim como o apóstolo Pedro, assim também ela por demais vezes traiu o seu Mestre. Precisa de penitência também ela. Entretanto, vive da certeza de que infidelidade humana não seja capaz de invalidar o amor que Deus mesmo é e que demonstra à sua criatura.

 

São os direitos deste Deus com que a Reforma se sabe comprometida. Igreja evangélica e cristã está consciente da variedade de imagens do divino neste mundo. Não quer impor a sua "teovisão" às religiões não cristãs. Qualquer pressão ou violência nessa direção seria incompatível com o Deus de Abraão, Isaque e Jacó que é também o Pai de Jesus Cristo. E no entanto, Igreja cristã jamais poderá conformar-se com a idéia de um Deus inclemente, impiedoso, brutal. Tal Deus que não ama e cuja "lei" maior por isto mesmo não consiste no amor, dificilmente vai proporcionar salvação à espécie humana e a este mundo. Não é o Deus de Jesus Cristo. Costuma-se considerar a fé um assunto particular. Nada mais errado do que isto. Fé é assunto público da mais alta relevância. Precisamos conversar a respeito, portanto. Pois o Deus em que o ser humano crê, é literalmente assunto de vida e morte, de paz ou de guerra, de bem estar social ou de ruína.

 

4. A Reforma do século XVI desenvolveu dinâmica pelo decidido recurso à Bíblia, respectivamente ao evangelho. Resultam daí um compromisso e um convite.

 

  1. O compromisso é o da gratidão a Deus. Nós sabemos que o desenrolar da Reforma se deu em meio a fortes conflitos, alguns mesmo sangrentos. Nem sempre as causas eram de ordem religiosa. Fatores políticos, econômicos, religiosos, "humanos" se misturaram. Ainda assim. A Reforma brindou a Igreja de Jesus Cristo e por extensão também a humanidade com precisosos dons. É extremamente rica a herança espiritual que nos legou. Incentivou o estudo da Bíblia e o levantamento de seus tesouros. Cravou um espinho na carne da cristandade, lembrando-lhe a tarefa da reforma como inerente ao próprio evangelho. Acarretou liberdades individuais e grupais. Não preciso ser exaustivo. Seríamos cegos, se não enxergássemos a mão de Deus, escrevendo reto em linhas tortas também neste caso. Na Reforma o Espírito Santo soprou mais forte do que a obstinação humana e sua resistência à auto-correção, motivo para um profundo "Graças a Deus". A Igreja toda foi beneficiada.
  2. O convite é duplo. Dirije-se em primeiro lugar às Igrejas irmãs. A Reforma não criou Igreja nova. Igreja cristã tem sua origem em Jerusalém, não em Wittenberg, nem em Roma, nem em Londres ou qualquer outra parte do mundo. Somos uma Igreja só, vivendo de uma só fonte que é o evangelho. Por isto façamos nova reforma juntos. E veremos que, se tivermos a coragem para tanto, vamos chegar bem próximos uns dos outros. Não vamos nivelar as nossas diferenças. Isto não é possível nem exigido. Mas vamos viver como pessoas e instituições reconciliadas por Cristo, oferecendo à sociedade um modelo de paz evangélica. Exatamente por isto, o convite vai para além das Igrejas. É extensivo à sociedade brasileira, às culturas, aos povos, aos segmentos sociais, às insituições políticas. Claro, "reforma" nestes horizontes vai se processar em termos diferentes, peculiares. Mas insistimos em que deixe de ser palavra temida e passe a ser projeto prioritário com critérios orientados no bem da criação. Isto em todos os níveis. Reforma é o pressuposto da paz que almejamos.

 

"Dia da Reforma" – um dia supérfluo? Igreja evangélica sustenta que não, e pede explicação de quem afirma o contrário. É um dia comemorativo, sim. Há uma história a lembrar que, em toda a sua ambiguidade, possui aspectos instrutivos e não deixa de ser motivo de gratidão. Simultaneamente, porém, "Dia da Reforma" é um dia programático, lembrando uma urgência atual. Conclama à ação. Para tanto nos dirigimos a Deus. Queira conceder-nos o seu Espírito renovador, assim como já o fez no passado, que o faça hoje.

Mensagem proferida em 31 de dezembro de 2001 por ocasião da celebração conjunta IELB e IECLB, Comunidade Evangélica de Porto Alegre e Distrito Portoalegrense.

 

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